ASSASSINATOS

ao Júnior Oliveira


― Não sei mais o que fazer... as dívidas crescem e o agiota está me pressionando de novo.
Quem falava era um rapaz muito bem vestido, mas com o cabelo desalinhado devido às mãos desesperadas que a todo instante eram passadas por sua cabeça, como a tentar aliviá-la da dor da preocupação. A esposa que o ouvia, fazia-o desinteressada. Na verdade, já estava cansada de ouvir essa história de falta de dinheiro; pior ainda quando ele pedia a ela que controlasse os gastos. Que controlar gasto, que nada! Não se casara para viver como via na casa de seus pais! Casara-se com aquele homem lindo e alinhado, mais parecido com um príncipe encantado, para viver como princesa. Ele lhe prometera o paraíso e ela não aceitaria menos do que isso.
― Culpa da maldita velha miserável que não solta o dinheiro! ― vociferou a mulher.
A maldita velha miserável refere-se à avó do marido, uma senhora em excelente situação financeira e extremamente saudável em seus mais de 90 anos, e que controlava o dinheiro que dava ao neto como forma de mantê-lo junto a si.
― Ela vale mais morta do que viva! – completou a esposa.
O marido ficou parado um instante e em seguida olhou nos olhos da esposa
― O que você quis dizer com isso?
― Eu quis dizer exatamente o que você ouviu: aquela velha desgraçada vale para nós mais morta do que viva. Viva ela é um entrave na nossa vida; morta, é a solução de todos os problemas, afinal, não existe outro parente vivo além de você.
Entrelaçando os dedos das mãos, estalou-os enquanto pensava no que acabara de ouvir.
― Tenho que concordar que é verdade... embora eu a ame muito...
― Ama?! – interrompeu a mulher. Você tem coragem de dizer que ama aquela bruxa velha que te dá esmolas todos os meses e não te deixa proporcionar à sua esposa uma vida digna?! Você deve estar brincando comigo! Você deveria odiar aquela megera egoísta que está fazendo hora extra na vida e que, pelo visto, que ficar viva ainda por muito tempo... Você deveria era ajudá-la a rever os pais, o marido e o filho que já morreram.
E dizendo isso, sorriu um sorriso amarelo e nervoso...
― Você não pode estar falando sério, meu bem! ― exclamou o homem. Você parece estar sugerindo que eu a mate! Só pode ser brincadeira... é minha avó...
― Pois é isso mesmo, “meu bem” – ironizou a mulher. Eu já não agüento mais. Estou a ponto de desistir de tudo, pois estou vendo que essa sua “avozinha querida” ainda vai me enterrar, depois que eu morrer de fome a seu lado.
― Mas meu bem... ― foi dizendo o marido, tentando abraçar a esposa, que se desvencilhou logo e saiu da sala, nervosa.
― Não quero mais ouvir uma palavra sua... é melhor você começar a pensar em alguma coisa para nos tirar dessa situação de merda em que estamos. Eu não nasci para viver na pobreza!
O marido sentou-se diante das muitas contas a pagar e do cálculo da dívida que tinha com o agiota, mas não via nada à sua frente; apenas pensava nas palavras da esposa: “Vale mais morta do que viva”.


Já havia passada em muito do seu horário habitual de ir dormir. Quando o homem entrou no quarto, encontrou a esposa deitada, olhando para o teto. Nenhum dos dois disse palavra alguma. Ao deitar-se, ele tentou abraçar a esposa, que o recusou. Porém, em seguida, ela voltou-se para ele e começou a acariciar-lhe o peito; depois passou a beijar suavemente sua face até que suas bocas se encontraram. Um beijo voluptuoso aconteceu entre ambos e a mulher posicionou-se sobre o marido, deixando-se penetrar. Sentada, puxou-o para si e se abraçaram, continuando a se beijar intensamente, enquanto o cavalgava como nunca antes o fizera. O marido estava em verdadeiro êxtase e ela o sabia. Como uma moderna Salomé seduzindo eroticamente o fraco Herodes, conseguiu com lábia sensual, quase ao momento do gozo, lançar-lhe a fatídica pergunta:
― Querido, você faria uma coisa se eu lhe pedisse?
Movimentando-se ritmadamente sob o corpo da sua mulher, respondeu-lhe arfante:
― Peça o que você quiser que eu farei.
Cavalgando freneticamente o marido, a esposa lançou-lhe diretamente o pedido:
― Mate a velha desgraçada!
Um gozo forte foi acompanhado de uma quase grito:
― Matooooooooooo!!!!!!


O homem não tinha mais como voltar atrás. Na verdade, não era uma questão de cumprir a palavra, mas porque expressara na hora do gozo aquilo que no fundo ele realmente desejava, mas sentia-se moralmente incapaz de assumir. Agora que assumira sua vontade egoísta mais profunda, que não levava em consideração nada nem ninguém, nem a vida alheia e nem os bens que não lhe pertenciam, não conseguia tirar a idéia da cabeça. Mas como matar a avó sem deixar pistas que o incriminassem? E ser o autor direto da morte também o incomodava, pois não se sentia capaz de olhar para a velha e assassiná-la. Teria de ser outra pessoa. Quem sabe a esposa, afinal, partira dela a idéia.
A mulher também não quis se comprometer e, por fim, chegaram a uma solução: contratar um assassino. Pagariam pelo serviço. Mesmo sem dinheiro agora, este viria assim que a velha morresse. Naquela mesma noite da decisão, um noticiário na televisão mostrava a reportagem de um assassino contratado, que fora preso e denunciara os mandantes do crime. A reportagem impingiu-lhe medo e pensaram em desistir. À cama, enquanto a mulher acariciava seu marido, partilhou com ele algumas idéias que os fizeram decidir-se definitivamente pela morte da velha.


A mulher consegue contratar um assassino, conhecido no bairro em que ela crescera. Já que o marido se recusara a mediar o crime, ela mesma vai fazer acerto. Feito o pagamento e já partindo, a mulher faz uma proposta ao homem:
― Caso você seja preso, eu pagarei o dobro disso se você assumir sozinho o crime. Quando sair da cadeia, estará com a vida feita. Aceita?
Um aperto de mão acompanhado de um sorriso perverso estampado no rosto do criminoso selou mais um acordo.


Três dias depois, o homem estava trabalhando quando seu chefe o chama e com muito cuidado e pesar anuncia-lhe que lhe telefonaram dizendo que sua avó havia tido um problema sério, provavelmente um assalto, que ela fora agredida, que a violência havia sido brutal, que ela fora assassinada. Fingindo-se surpreso e desesperado, foi preciso encaminhá-lo à enfermaria da empresa para ser medicado. Um motorista de empresa o levou até sua casa, onde a esposa em prantos, confortada por amigos e vizinhos, o abraça entre soluços.
Um conhecido vem ao encontro deles e lhes diz:
― Sei que não vai trazer sua avó de volta, mas acho que vocês devem saber que o assassino já foi preso e confessou o crime.
A mulher desmaia nos braços do marido.


Após o enterro, o homem vai até a delegacia em que o assassino está preso. O delegado fora seu colega de colégio e, em nome dos velhos tempos, permitiu algo que nunca faria a outra pessoa. Entra acompanhado pela esposa e posicionam-se frente à sela abarrotada de homens, sem espaço para todos sentarem ou deitarem. Ao verem a bela mulher, os presos começam a alvoroçar-se, a falar pornografias e fazer convites sexuais a ela, sem ao menos considerarem a presença do marido, que a abraça.
O assassino da avó, diante do alvoroço, levanta-se e aproxima-se da grade com dificuldade. Ao reconhecer a mulher, entende que aquele homem a seu lado devia ser o neto da velha assassinada por ele. A mulher sorri-lhe discretamente, mas o criminoso escancara um sorriso que mostra seus diversos dentes cariados, compreendendo que eles estavam ali pra confirmar ser ele o único criminoso. Em sua mente, já pensa no dinheiro extra que ganhará. Aquele sorriso da mulher e a coragem de estar ali era a prova de que o acordo seria cumprido.
O marido, então, começa a bradar contra o assassino, acusando-o de covarde, por ter matado uma velhinha indefesa com mais de 90 anos. O bandido fica olhando para o homem, sem nada dizer, sorrindo ante a encenação. Depois de lançar uma série de afrontas ao criminoso, o que leva seus companheiros de cela a rir demais deste, o neto da assassinada grita bem alto para que todos ali o ouçam, olhando diretamente para o assassino:
― Eu tenho 10 mil dólares guardados e prontos para serem entregues ao primeiro que acabar com sua raça.
Fez-se silêncio imediato e profundo. Antes que o assassino percebesse o que estava acontecendo, sem tempo de desfazer o sorriso no rosto, uma faca crava-se em suas costas.


Poucas semanas após esses eventos, um carro luxuoso pára em frente a uma casa muito pobre e sem acabamento, na periferia da cidade. Um elegante homem desce do carro e bate à porta. Uma senhora atende. O homem faz algumas perguntas à mulher de aparência sofrida a respeito de um rapaz, seu filho, preso em certa delegacia. Ressabiada, com medo de receber a notícia da morte do filho, a mulher com dificuldade confirma ser ali a casa dele e ser ela sua mãe. Diante da confirmação, o homem entrega-lhe um envelope com os U$ 10,000, dizendo que o filho os havia mandado e que ela precisaria apenas notificá-lo do recebimento, assim que o visitasse na prisão.
A velha tenta recusar, sentindo-se humilhada e ofendida:
― Eu não quero dinheiro roubado. Leve isso daqui.
O homem coloca novamente o envelope nas mãos da mulher, segurando-as entre as suas, enquanto lhe fala com carinho:
― Não se preocupe, senhora, pois seu filho não roubou este dinheiro. É apenas o pagamento por um favor que ele me fez.
Ainda desconfiada, a mulher pega o envelope. O homem entra no carro e olha para a esposa.
― Tudo acertado e acabado, meu bem.
Beija-a ternamente na boca, liga o carro e parte.


Quando o carro elegante para na esquina, pronto para entrar na avenida principal, dois garotos armados apontam suas armas para o homem e a mulher no carro e gritam:
― Desce, desce, rápido, senão acabo com vocês... desce, rápido....
O marido vira-se bruscamente para a esposa e um tiro vara-lhe a cabeça. Ela começa a gritar desesperadamente e alguns tiros penetram-lhe o corpo.
Os dois jovens fogem correndo. No luxuoso carro os dois corpos sem vida sangram, manchando o banco e o carpete novos e impecáveis.

Nenhum comentário: