UM CONTO QUE DEVERIA SER DE NATAL

Véspera de Natal.
Os convidados para a festa natalina vão chegando ao sítio, em região próxima a São Paulo. Os veículos e as roupas elegantes denunciam tratar-se de pessoas privilegiadas em relação à maior parte dos trabalhadores que habitavam os casebres que foram vistos durante o percurso até o sítio.
Muitos casais jovens com filhos pequenos, e por isso mesmo convidados para a festa. Pacotes belíssimos dos mais variados formatos e tamanhos vão sendo descarregados dos veículos e entregues ao jovem caseiro do sítio, que os vai colocando sob uma grande e iluminada árvore de Natal erguida próxima à piscina, na qual centenas de pequenas velas bóiam, criando a sensação de que o céu natalino exuberantemente se reflete nas águas. O jovem caseiro tem o cuidado de organizar de tal forma os presentes, que os nomes de seus destinatários fiquem facilmente visíveis.
A alegria é verdadeiramente contagiante. As faces sorridentes irradiam juventude e felicidade. Tudo parece perfeito.
As mesas com variadas, coloridas e abundantes frutas chamam a atenção, como fossem decoração em uma imensa sala a céu aberto. Os diversos pratos salgados, originalíssimos, servidos em pratos e travessas de prata ou porcelana fazem vir água à boca ao simples olhar. E os doces?! Os pratos e compoteiras de cristal realçam ainda mais a beleza dourada transparente ou multicor das caldas e recheios.
Aproxima-se a meia-noite.
Pais e mães correm a buscar seus filhos, que brincam soltos pelo gramado, experimentando uma rara liberdade. Todos, ansiosos, rodeiam a piscina, voltados à grande e luminosa árvore de Natal.
De repente, um sino começa a soar e vozes uníssonas gritam: “Papai Noel!” Uma massa humana emocionada volta-se para o gramado, vendo aproximar-se, sobre uma charrete decorada com festões natalinos, o bom velhinho de cabelos e barbas brancas, com sua tradicional roupa vermelha, cinto e botas pretos e pele branca nas extremidades do traje.
Olhinhos infantis acompanham incrédulos a aproximação do Papai Noel. Ele realmente existe! Boquinhas abertas alternam sorrisos e expressões de surpresa, como quisessem falar e não conseguissem. Pais e mães inclinam-se em direção aos filhos, insistindo em apontar-lhes e anunciar-lhes o que era o centro de toda a atenção dos pequeninos: “Olha o Papai Noel chegando!”
Descendo da charrete, o velhinho pançudo vai caminhando devagar em direção à árvore com os presentes; o caminho vai-se abrindo naturalmente, com as pessoas afastando-se à sua aproximação, com uma expressão quase abobalhada no rosto. E o bom senhor vai apenas pronunciando o seu famoso “Uôu, uôu, uôu!”, acompanhado por acenos de mão e afagos nas cabecinhas das crianças mais próximas.
De alguns olhos, brotam incontroláveis lágrimas, de alegria, de recordações, de saudades. Tudo perfeito! A mais linda noite de Natal que ali já tiveram!
Após um pequeno discurso no qual o Papai Noel perguntou às crianças e aos pais se aquelas haviam sido boazinhas, obedientes e estudiosas durante o ano – sendo a resposta unanimemente “sim!” –, começa a distribuição dos presentes. O Papai Noel pega presente por presente e chama a criança que ao ganhará, pelo nome. A cada entrega, palmas e gritos efusivos, que vão diminuindo à medida que cada um está ocupado com o presente que ganhou. São presentes caros, afinal um filho não poderia passar vergonha ante tantas crianças que ganhariam presentes maravilhosos. Abundam bicicletas, vídeos-games, note-books, celulares...
Entre tantas crianças de olhinhos ansiosos, aguardando o chamado de seus nomes, passam despercebidas duas, que destoam das demais, seja pela cor, seja pelas roupas. Os dois filhos do caseiros, ao verem Papai Noel chegando na charrete, correram ao seu encontro e o acompanharam até a árvores de Natal, permanecendo aos seus pés, aguardando com seus olhinhos brilhantes e sorrisos escancarados os seus presentes, entregues pelo próprio Papai Noel. Nunca haviam sido tão felizes!
E os presentes vão-se escasseando, à medida que vão sendo entregues, até que acabam.
As duas crianças ainda demoram-se alguns instantes diante do Papai Noel, com os sorrisos estampados em seus rostinhos. O Papai Noel olha para os dois meninos, olha para a árvore vazia de presentes, olha para as pessoas que abriam ou admiravam com seus filhos os presentes, mostrando-os aos outros... e parte, acenando o adeus, correspondido por pais e filhos, que o acompanham até sumir com a charrete atrás da casa do sítio.
As duas crianças permanecem onde estão, aos pés da árvore de Natal, grande e luminosa, agora vazia. Seus olhos brilham com as lágrimas de dor que escorrem pelas faces, cintilando conforme as lâmpadas vão piscando.
Eu gostaria de dizer que houve pais que, percebendo o que estava acontecendo, conversaram com seus filhos e pediram a eles que dessem seus presentes aos dois irmãozinhos pobres, prometendo-lhes outros mais além daqueles; ou que alguma criança, plena do espírito natalino, espontaneamente presenteou as crianças filhas do caseiro com o belo presente que tanto esperara. Mas isso não aconteceu. Criança alguma, tão voltada à própria alegria, sequer percebeu a presença daquelas duas. Quanto aos adultos, até houve quem atentasse para os dois meninos, prevendo o desfecho; porém, o que poderia fazer naquele momento?! Era convidado da festa. Quem deveria ter-se preocupado com os dois era seu pai ou o dono do sítio. Virando as costas e voltando-se para o filho, não deixou que nada atrapalhasse a alegria e a perfeição daquela festa de Natal, a mais bela que já participara.
Eu gostaria que o final dessa história fosse diferente, mas a verdade é que naquela alegre, bela e perfeita noite natalina, o espírito do Natal morreu na vida daquelas duas crianças, que receberam como presente a lição sobre a dureza dos corações humanos e a injustiça do mundo.

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