O HOTELEIRO


− Então, deixe-me contar uma história que nunca contei a ninguém, nem à minha esposa – interrompeu-me o velho paroquiano, após ouvir-me narrar duas histórias extraordinárias. O senhor, padre – continuou o velho –, sendo um homem de fé, poderá talvez me explicar o que vou contar.
E o velho iniciou sua narrativa.
“A mais de quarenta anos atrás, eu me casei com a Ernestina, que o senhor conhece tão bem e que tanto gosta do senhor e aprecia suas missas e homilias.
Meu cunhado emprestou-me o carro para que viajássemos em lua-de-mel para Nova Friburgo. O desejo de estar a sós com a Ernestina fez com que partíssemos naquela mesma noite, após a festa de casamento, apesar dos pedidos dos familiares, parentes e amigos para que o fizéssemos na manhã seguinte, por ser mais seguro.
A estrada para Nova Friburgo não era essa que o senhor conhece hoje, mas outra muito mais longa e cheia de curvas, passando por Petrópolis e Teresópolis. Iluminação? Nem em sonho.
Fui dirigindo devagar, com a Ernestina ao lado, apreensiva devido à escuridão e às sucessivas curvas da estrada. Ela conversava comigo, temendo que eu pudesse dormir ao volante. Não sei dizer se ela prestava mais atenção em mim, vigiando-me, ou na estrada, alertando-me a cada curva.
Passava da uma da madrugada e ainda estávamos a meio caminho entre Teresópolis e o nosso destino.
Ao passarmos por uma pequena ponte, após a qual avistava-se algumas habitações com luzes acesas às portas, o carro apagou totalmente e morreu, fazendo-me parar logo à saída da ponte. Sem lanterna, eu nada podia fazer, nem mesmo verificar se o cabo da bateria havia soltado, pois a noite era um breu. Com a ajuda da Ernestina, empurrei o carro para um local o mais distante possível da ponte e da estrada, para evitar algum acidente.
Eu quis ir sozinho procurar ajuda onde avistávamos as luzes, porém a Ernestina se negou a ficar ali sozinha na escuridão. Agarrada ao meu braço a aquecer-se na noite fria e a proteger-se, a Ernestina e eu caminhamos para as construções, procurando sinal de alguém acordado para nos ajudar. Não encontramos viva alma e fomos circundando as casas.
Em uma pequena rua atrás das primeiras casas, avistamos a indicação de um hotel aparentemente simples e ao mesmo tempo agradável. Quando nos aproximávamos da porta à procura da campainha, um homem elegante, idoso, grisalho e simpático veio-nos ao encontro, abrindo-nos cortesmente a porta.
Após saudar-nos sorridente, expliquei-lhe o nosso problema. O amável homem disse-nos que mesmo que conseguíssemos consertar o carro, ainda demoraríamos mais de uma hora para chegar ao nosso destino. Sugeriu-nos que pernoitássemos ali em seu hotel e, de manhã, chamássemos um mecânico para consertar o crro e seguirmos viagem.
Sorrindo, sem qualquer malícia, mas com bonomia, colocou-se entre a Ernestina e eu, abraçando-nos e dizendo que fazia questão que tivéssemos nossa primeira noite de núpcias em seu hotel, com a estadia gratuita, presenteada por ele.
Ernestina e eu nos olhamos e nossos sorrisos assentiram ao convite gentil daquele estranho afável.
O homem acompanhou-nos até o carro e ajudou-nos a trazer as nossas bagagens. Na portaria, passou os dedos pelas chaves e pegou uma dizendo: “Nosso melhor apartamento, para uma noite inesquecível!”. Em seguida, levou-nos até o quarto, ornamentado com flores frescas, como se a nós estivesse esperando.
Não interessa, padre, nem ao senhor nem a esta história, os detalhes de nossa noite de núpcias. Mas não posso deixar de dizer que a sensação de ter a Ernestina em meus braços naquela noite me acompanha até hoje.
Na manhã seguinte, eu desci por volta das oito e meia, enquanto minha mulher terminava de ser arrumar e às nossas malas, pois eu queria informações do hoteleiro sobre o mecânico. Ao descer, um jovem na portaria espantou-se ao ver-me. Cumprimentei-o e ele – agora para minha surpresa – perguntou-me quem eu era. Ao saber-me hóspede, inquiriu-me como eu entrara e quem me atendera. Contei-lhe então toda a história da véspera até o gentil acolhimento no hotel pelo idoso, terminando por perguntar-lhe sobre o mecânico.
O jovem, sem responder à minha pergunta, disse-me que a história por mim contada não era possível, pois desde o final da tarde anterior até o amanhecer, quando os funcionários foram para suas casas e retornaram ao trabalho, não havia ninguém no hotel, a não ser ele mesmo e que ali não trabalhava nenhum senhor idoso.
Enquanto eu afirmava a veracidade da minha história e o jovem a negava, virei-me e avistei em uma das paredes da sala de estar o retrato do hoteleiro que nos atendera na noite anterior. O jovem, empalidecendo, mais uma vez disse ser impossível minha narrativa, pois o retrato era de seu avô, fundador do hotel, falecido no ano anterior.
Ernestina desceu nesse momento, encontrando o jovem emocionado, com lágrimas nos olhos. Saudou-a com a mesma gentileza do homem que nos acolhera na noite anterior. Sem entrar em detalhes, eu disse a ela que o rapaz era neto do hoteleiro.
O jovem ajudou-nos a levar as malas para o carro e pediu-nos a chave do veículo para testa-lo, antes de chamarmos o mecânico. Para nossa surpresa, o carro pegou na hora não apresentou qualquer problema durante todo o restante da viagem.
Entramos, Ernestina e eu, no carro e partimos. Abrindo a janela, minha mulher acenou para o jovem e pediu-lhe que agradecesse muito a seu avô pela bondade e acolhida, deixando-lhe um forte abraço.
É essa a história, padre. Nunca a contei à Ernestina nem a ninguém. O que o senhor acha?”
O que havia para achar sobre uma história como essa, que o velho narrava como verídica? Eu nada soube ou pude dizer a não ser citar Shakespeare: “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”.

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