– Oi! – disse eu ao chegar à casa das tia, distribuindo um beijo para
cada.
– Que bom que você veio cedo! – foi falando a tia Zezé – Pode levar a
gente no cemitério.
– Você não foi visitar sua mãe no dia das mães? – perguntou-me a tia
Maria, a mais velha.
– Não senhora. Eu rezei em casa.
– Vão agora que eu fico fazendo o almoço. – falou a tia Lourdes, minha
madrinha e irmã do meio entre as três.
– Vou tirar o carro da garagem e espero vocês lá fora. – disse eu,
pensando comigo, enquanto me dirigia para o carro: “Que passeios bestas essas
velhas inventam!”
A entrada das duas no carro foi muito demorada devido à dureza de seus
envelhecidos. Depois que partimos, durante algum tempo ninguém abriu a boca,
até a tia Maria perguntar-me:
– Você é capaz de ir a qualquer lugar?
Respondi secamente:
– Sou!
– Até para Santos? – quis saber.
– Sim, mas ainda não fui até lá dirigindo.
– Uhm! – murmurou, talvez pensando que já tivesse alguém para levá-la até
o litoral.
Tia Zezé, mudando completamente de assunto, perguntou à irmã:
– Sabe quem eu encontrei na semana passada?
– Não!
– A Ernestina, aquela vizinha da rua Duarte.
– Aquela bonita, que tinha butique na Voluntários?
– É! Está tão acabada! Ela ficou me encarando. Até falei para a Lourdes:
“Que mulher encarada!”. Aí ela reconheceu a gente e veio conversar. Estão bem
de vida. O irmão comprou um apartamento bonito naquele prédio que fomos ver.
– Outro dia eu vi a sua madrinha, Zezé. Perguntou por você. Lembra como
ela te queria bem? Disse que qualquer dia vai visitar você.
Parei o carro em frente ao cemitério e ajudei as tias a descer. Tia Zezé
disse assim que tranquei o carro:
– Vamos por aqui, porque quero comprar umas flores. – e apontou para o
lado do portão principal.
Na floricultura, após ter pechinchado, levou um vaso de flores e algumas
rosas. Entregou-me e falou:
– Você leva porque é mais forte do que a gente!
Enquanto caminhávamos para o túmulo da família, as duas contavam
histórias que ouviram a respeito das pessoas que estavam sepultadas em alguns
jazigos. Olhavam, também, maravilhadas para os túmulos, comentando de vez em
quando:
– Olha esse, que lindo!
Paramos no “nosso túmulo”. Tia Maria disse-me:
– O menino sobe lá e coloca as flores em frente da santa. – e entregou-me
o vaso.
Tia Zezé, com algumas das rosas nas mãos, falou:
– Eu vou levar umas flores para a menina.
Sua irmã perguntou:
– Que menina?
– Aquela que faz milagres. Quer ir, perguntou, voltando-se para mim.
– Não! – respondi.
Começando a rezar, tia Maria ia-me dando ordens:
– Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco... põe mais flores do
outro lado... bendita sois vós entre as mulheres, bendito é o fruto do vosso
ventre, Jesus... põe uma rosa no retrato da sua mãe e outro no da Osíris...
Santa Maria... Amém.
Fiz a minha oração silenciosamente e fiquei esperando a volta da tia
Zezé. Quando ela voltou do túmulo da menina que fazia milagres, tia Maria lhe
disse:
– Reza em casa que o menino está com pressa. Eu já rezei. Tchau, Hugo! –
falou ela olhando para o retrato do marido, completando: Tchau, pessoal!
Ao vê-la despedir-se do marido, lembrei-me de uma visita que eu fizera
aos dois, pouco tempo antes dele morrer.
Eu fui visitá-lo porque soube que ele estava muito enfermo. Poucos anos
antes, a tia Maria havia tido um ataque cardíaco. Agora era sua vez, com uma
enfermidade desconhecida. Como ainda era de tarde, fui vista-lo. Ao entrar no
saguão, fui barrado pelo porteiro. Após confirmar que eu era sobrinho do casal
do 132, entrei no elevador e subi.
Ao entrar na sala, parei por alguns instantes, assustado. Eu mal podia
acreditar que aquele “esqueleto” sentado à poltrona fosse o Hugo.
Fui muito bem recebido. A tia Maria mostrou-me o apartamento, que eu
ainda não conhecia, e, depois, na sala serviu-me uma xícara de café.
Durante um longo tempo conversamos o que nos tinha acontecido após a
minha última visita. Ela falou-me, ainda, sobre a misteriosa doença do esposo,
que os médicos não revelavam a ela. Ele quase não falava.
Foi-me dificílimo sentir-me à vontade com aquele corpo quase sem vida ao
meu lado.
Já estava ficando tarde quando me despedi. A tia Maria acompanhou-me até
o elevador. De fora, disse-me:
– Venha nos visitar antes que a gente morra.
Fiquei sem saber se sorria ou se ficava sério diante daquele triste
apelo. Dei-lhe um sorriso sem graça. E a porta do elevador fechou-se.
No carro, tia Maria comentou comigo:
– Você devia ter vindo no dia das mães. Mãe é uma só. A sua foi uma
abnegada. Corajosa como ela eu nunca vi. Soube viver. Viajou, saiu, deu festas
até o último dia. É, menino! Qual é o seu nome mesmo?
– Nelson.
E perguntou:
– Quantos anos você já tem?
– Vinte.
– Quem logo vai estar com os filhos grandes é o Roberto, não é, Zezé?
– É, sim.
Durante o almoço, a tia Maria comentou:
– Lourdes, é melhor você trocar o dia de almoçar lá em casa. Aí o menino almoça
lá também e depois vocês vão para a casa dele.
– Ah, não! – exclamou a tia Lourdes. – É mais fácil almoçar aqui. A gente
chega mais cedo na casa do Geraldo e dá tempo de arrumar tudo.
– Ah, bom, mas almoça lá em casa
qualquer dia, tá, menino? Outro dia eu comprei um quilo de carne de porco. Fiz
um tempero bem gostoso, fritei bem fritinho. A empregada comeu quase tudo.
Terminei de almoçar, apressei a tia
Lourdes para irmos embora. Despedi-me das que ficaram e as duas, juntas,
responderam;
– Até a semana que vem.
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